Depoimentos de psicólogas, psicólogos e estudantes de psicologia afetados direta e/ou indiretamente pela ditadura brasileira contribuirão com o trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV). O projeto “Testemunhos e memórias de psicólogas e psicólogas sobre a ditadura civil e militar (1964-1985)”, realizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), já concluiu a coleta dos depoimentos, totalizando 63 testemunhos em 15 estados do país. A previsão é de que, até o fim de novembro próximo, o CFP publique os depoimentos em dois volumes e faça a entrega oficial à CNV, em Brasília. Esta, criada em maio do ano passado, tem o objetivo de apurar as graves violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos, ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 05 de outubro de 1988.
Em entrevista a Adital, a coordenadora do projeto e membro da Comissão de Direitos Humanos do CFP, Ana Luiza Castro, explica que a ideia surgiu da constatação de que a psicologia deveria contribuir com questão da verdade sobre a ditadura. “Sabemos que pessoas que viveram e mesmo as que nasceram durante aquele período tiveram, de alguma forma, interferências do regime, até mesmo o simples hábito da obrigatoriedade de cantar o hino nacional na entrada das escolas”, assinala. Os depoimentos colhidos retratam em especial episódios de violência e tortura sofridas por profissionais da psicologia, relatados pelas próprias vítimas ou por familiares. Há ainda depoimentos de profissionais que atenderam vítimas de tortura.
Apesar de preferir não antecipar detalhes antes do lançamento da publicação, Ana Luiza conta que entre os relatos que chamaram sua atenção há o de pessoas, que, na época da ditadura, eram crianças, mas que relembram detalhadamente o que aconteceu com seus pais. “São fatos que ficaram nitidamente marcados na memória depois de 40 anos, inclusive para surpresa dos pais, que foram as vítimas diretas das violações”, observa, salientando que o CFP também está organizando um concurso de artigos científicos sobre a relação da psicologia com a ditadura, d que também serão entregues à CNV.
Ana Luiza destaca que a criação da CNV foi de fundamental importância para que se faça o resgate de um passado tão obscuro da história brasileira e faz um paralelo ao que acontece na Argentina, cujo trabalho de recuperação da memória do período ditatorial encontra-se bem mais desenvolvido. Questionada sobre o fato da Comissão não alterar em nada a não punição dos acusados de torturas e outras violações de direitos humanos, ela não defende, em sua opinião pessoal, a criminalização e perseguição como formas de compensar o mal que foi feito. “Recuperar a memória daquele período já é um grande avanço”.
A discussão sobre o direito à memória e à verdade teve início no âmbito da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP a partir da nomeação da Comissão da Verdade. “Chamamos, então, as comissões regionais de direitos humanos dos conselhos de Psicologia e construímos o projeto; fizemos uma oficina de dois dias em Brasília, onde nos preparamos para as tomadas de depoimentos”, acrescenta Ana Luiza.
Desde que foi criada a CNV vem colhendo documentos e informações por meio de pesquisa documental, audiências, cooperações e perícias ou diligências. As audiências para coletas de informações são públicas e reservadas, pois a manutenção do sigilo sobre alguns depoimentos é fundamental para que se possa dar os passos seguintes, uma vez que um depoimento sempre traz indicativos de outros que podem ser colhidos. Os membros e assessores da Comissão se dividem em três grandes grupos temáticos: Subcomissão de Pesquisa, Geração e Sistematização de Informações; Subcomissão de Relações com a Sociedade Civil e Instituições; e Subcomissão de Comunicação Externa.
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Notícia publicada no portal “Adital”. Disponível em: <http://www.adital.com.br/?n=cncg>.