Inês Etienne Romeu, uma história de luta contra a tortura

A única presa política a sobreviver à ‘Casa da Morte’ morreu vítima de um infarto na própria casa, em Niterói, nesta segunda

Rio – O Brasil perdeu nesta segunda-feira Inês Etienne Romeu. Aos 72 anos, a mineira de Pouso Alegre escreveu uma história singular na luta pelos Direitos Humanos no Brasil. Vítima de um infarto em sua casa em Niterói, ela foi a única presa política a sobreviver ao centro clandestino de tortura e morte criado pelo Exército em Petrópolis, a chamada “Casa da Morte”. Cerca de 20 opositores desaparecidos podem ter perdido a vida no local.

Inês era a caçula de cinco irmãos. Menina formada em escolas mineiras tradicionais, Inês transformou sua vida ao entrar no curso de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais em 1960. Foi na universidade e no Sindicato dos Bancários de MG que se envolveu com a militância política. Também lá fez amigos como a então estudante Dilma Rousseff, hoje presidenta da República. O acirramento da ditadura levou ela e os colegas para a clandestinidade a partir de 1968 e também culminou na criação da Vanguarda Popular Revolucionária(VPR), organização onde ela militou mais tempo.

Nada, porém, marcou mais sua vida do que o dia cinco de maio de 1971, quando foi presa e levada para a Casa da Morte, em Petrópolis. Seu depoimento sobre a prisão é um exemplo sintomático do que representou a repressão no regime militar. A leitura das 24 páginas escritas poucas horas após deixar o cativeiro exige a mesma coragem que Inês teve para denunciar seus torturadores.

Foram 96 dias de choques elétricos, espancamentos, pau-de-arara, estupros e humilhações. “Eu estava arrasada, doente, reduzida a um verme e obedecia como um autômato”, disse Inês, no documento histórico entregue à OAB em 1981.

Quase sem suportar o suplício, ela tentou o suicídio três vezes, mas sobreviveu para descrever com precisão cada detalhe vivido no cárcere e todos os 20 militares que a torturaram. Um depoimento que só pode se tornar público 10 anos após a prisão clandestina. Para sair da cárcere clandestino, Inês mentiu que colaboraria com os agentes, mas assim que chegou à casa da família em BH decidiu se entregar às autoridades locais para ser julgada. Condenada à prisão perpétua, ficou encarcerada até 1979. Foi a última a ser libertada após a Anistia.

Assim que deixou a prisão, dedicou-se a localizar a casa onde tinha ficado presa na região serrana e o médico que auxiliava os militares no local: Amílcar Lobo. Inês ainda denunciou a morte de pelo menos outros cinco presos no local, entre os quais Carlos Alberto Soares de Freitas, amigo dela e de Dilma.

Em 2003, em São Paulo, Inês sofreu um atentado não esclarecido na casa onde morava. A pancada sofrida na cabeça atingiu o cérebro e deixou sequelas. Ela passou anos em tratamento até conseguir recuperar os movimentos e ainda lutava para restabelecer totalmente a fala.

Já a memória permaneceu intacta. E o tempo também não diminuiu seu desejo de Justiça. Ela seguia auxiliando pesquisas sobre os torturadores da Casa da Morte. No ano passado, ajudou o DIA a identificar o sargento Antonio Waneir Pinheiro Lima, o Camarão, um de seus principais algozes. Também auxiliou o trabalho da Comissão Nacional da Verdade e do Ministério Público Federal.

Inês guardava para si as marcas invisíveis deixadas pelos dias em Petrópolis. Os constantes pesadelos atormentavam seu sono, mas ela escondia suas lágrimas até dos mais próximos. Fazia questão de colocar a luta antes da própria dor. Em 2009, recebeu o Prêmio Direitos Humanos do governo federal. Ontem, Inês descansou. “Ela morreu como um passarinho”, disse a irmã Anita.

 

Fonte: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-04-28/ines-etienne-romeu-uma-historia-de-luta-contra-a-tortura.html13081275