Brasília – Dentre as modificações realizadas pelos militares na estrutura do Estado brasileiro durante a ditadura militar (1964 – 1985) está a criação de uma Comissão de Investigação Sumária (CIS 69) no Ministério das Relações Exteriores, que recomendou a aposentadoria compulsória de diplomatas por conta de suas “condutas pessoais”.
“O relatório secreto da comissão recomendou a aposentadoria compulsória de sete diplomatas e seis servidores administrativos, sob a alegação de homossexualismo, sugeriu a submissão de exames para comprovação de condutas homossexuais a dez diplomatas e dois servidores; propôs a aposentadoria de catorze funcionários por embriaguez e outros dois por risco à segurança nacional e convicções ideológicas consideradas subversivas”, aponta o relatório da Comissão Nacional da Verdade.
A comissão foi criada pelo então ministro das Relações Exteriores José Magalhães Pinto no período do endurecimento do regime, após a decretação do Ato Institucional 5. Um dos objetivos da investigação foi expresso em um memorando escrito pelo próprio ministro e endereçado ao presidente da comissão no dia 15 de janeiro de 1969: “examinar casos comprovados de homossexualismo de funcionários do Ministério suscetíveis de comprometer o decoro e o bom nome da Casa, tendo em vista o possível enquadramento dos indiciados nos dispositivos do Ato Institucional nº 5″. Para a apuração, foram designados os embaixadores Antônio Cândido da Câmara Canto, Carlos Sette Gomes Pereira e Manoel Emílio Pereira Guilhon.
Essa comissão foi a segunda criada dentro do Ministério das Relações Exteriores. Pouco após o Golpe Militar de 1964 com a decretação do primeiro Ato Institucional pelos militares, uma comissão foi criada para acompanhar a ideologia dos funcionários do Ministério. “A Comissão de Investigação Sumária (CIS 64) teve por fundamento os artigos 7º e 8º do ato institucional de 9 de abril de 1964, sendo institucionalizada por meio da Portaria no 122, datada de 5 de maio de 1964, aponta o relatório da CNV”.
“Comprometidos ideologicamente”
Em documento secreto de 14 de julho de 1964, o embaixador Antonio Camillo de Oliveira, presidente da comissão, informou para o ministro das Relações Exteriores que a Comissão de Investigações “recebeu, de diferentes fontes [...] diversas listas e indicações de funcionários que estariam comprometidos ideologicamente”. Entre os funcionários apontados como comprometidos pela comissão estava o escritor João Cabral de Melo Neto. Na pauta de investigações da comissão também apareciam: “malversação de fundos públicos, quebra de sigilo de informações, ameaça à segurança nacional, relações comerciais com países socialistas e questões relativas à concessão de vistos e passaportes”.
Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, essa estrutura interna criada no MRE após o golpe militar utilizou um modelo anterior que data de 1952 no governo de Getúlio Vargas, quando uma Comissão de Inquérito, presidida pelo embaixador Hildebrando Accioly, foi aberta para investigar uma denúncia do Estado-Maior do Exército sobre a existência de uma célula do Partido Comunista no ministério, formada por jovens diplomatas que usavam “uma linguagem conspiratória de fundo nitidamente comunista”. Entre eles já aparecia no nome de João Cabral de Melo Neto. Os funcionários foram postos em disponibilidade inativa, sem remuneração, mediante uma série de decretos individuais assinados pelo presidente Getúlio Vargas e por João Neves da Fontoura, ministro das Relações Exteriores.
Em julho de 1954, o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, declarou nula essa pena de disponibilidade não remunerada aplicada a esse grupo de diplomatas, que foram todos reintegrados ao quadro funcional do MRE. Mais de 10 anos depois, a estrutura foi reativada com o início do regime militar. Com a ruptura da ordem constitucional, depois do golpe de 1964, haviam desaparecido vários dos obstáculos legais com os quais se defrontara a comissão anterior, para combater suposta infiltração comunista no MRE” aponta o relatório. Em uma análise conjunta dessas três comissões internas criadas no Ministério das Relações Exteriores, a CNV constatou que esforços empreendidos para a institucionalização da repressão interna acompanharam o envolvimento de setores do MRE na política repressiva praticada no exterior”.
Fonte: http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/12/itamaraty-perseguiu-funcionarios-homossexuais-durante-ditadura-aponta-comissao-da