Neta de torturada faz apelo à Comissão Nacional da Verdade

Carta lida na reunião da Comissão Nacional da Verdade com os familiares das vítimas da ditadura – 11/06/2012:

oi, meu nome é Cândida Cappello Guariba, sou neta de Heleny Guariba:
diretora de teatro, professora universitária, presa, torturada,
sequestrada, assassinada. desaparecida em julho de 1971 por lutar contra a
ditadura. 
bem, vou ler alguns pontos que preparei para pedir que sejam incluídos no
trabalho da CNV e um paragrafosinho final
estou certa de que da lista de pedidos que lerei a seguir, parte se inclui
na lei que instituiu esta comissão e parte não. lerei todos:

- que se inclua na conta de mortos e desaparecidos políticos os camponeses
mortos (que até onde eu ouvi são em torno de 250) e os indígenas mortos
(que até onde eu ouvi são em torno de 2000) - que o estado reconheça este
genocídio
- que se faça uma lista de "afetados/vítimas" incluindo torturados,
perseguidos e exilados (estima-se em torno de 30.000 o número de
torturados)
- que se faça uma lista de torturadores, incluindo todos as pessoas que
trabalharam nos aparelhos da repressão
- que se faça uma lista de colaboradores (jornais, tvs, empresas,
multinacionais) e de como se deu sua atuação
- que se esclareça qual foi o apoio internacional dado ao brasil, tanto
por multinacionais como por governos, e como este se deu
- que se esclareça como se deu a operação condor e qual foi a relação da
ditadura brasileira com as demais ditaduras da américa do sul
- que se faça uma revisão histórica do que significou o golpe de 64: como
e por quem o golpe foi dado? (quem o planejou? quais foram as partes
envolvidas? qual o papel de cada uma? quais os interesses do golpe? a quem
ele servia? foi um golpe militar ou, mais que isso, um golpe de classe?)
- que se faça um relatório sobre qual é a relação de crimes que continuam
ocorrendo (de violação de direitos humanos, corrupção, abuso de poder,
repressão e criminalização dos movimentos sociais) com a ditadura (métodos
que foram repassados, pessoas que continuam no poder)
- questão gison dipp - bem, eu não conheço a fundo o caso gomes lund,
guerrilha do araguaia X brasil, mas parece que o senhor participou do
julgamento na corte interamericana de direitos humanos. gostaria que
esclarece-se qual foi sua atuação/papel lá.
- que seja feita uma parceria com o MPF
- que seja quebrado o pacto do possível no qual esta comissão foi
constituída, este é um apelo que parece subjetivo mas, ao meu ver, é bem
objetivo
- que se saiba quem são os culpados impunes das barbáries cometidas
- que não aja mais desaparecidos nessa história

- que, se alguns destes talvez pretensiosos pedidos não puderem ser
acatados, que aja uma declaração oficial sobre o ponto

o estado não tem o poder de estabelecer ou "restituir" minha paz familiar,
não tem o poder de me reconciliar com aqueles que me oprimem e oprimem a
sociedade, aqueles que reprimiram a possibilidade de um avanço social
dando o golpe de 64 e que reprimiram e trucidaram a resistência a
ditadura.

o estado não pode me dar a memória da avó que eu não tive, nem ao meu pai
e ao meu tio a memória da mãe que o estado tirou a vida tão cedo, nem as
famílias que perdem seus pais e filhos diariamente na guerra do estado
contra a pobreza, cujo pretexto, no presente momento, é a guerra, há tanto
perdida, contra o tráfico de drogas. aqui vale comentar que a especulação
imobiliária muitas vezes faz o estado ir além disto.

bem, disse isso para embasar esta última frase: minha necessidade não é a
de saber nas profundezas de que mares o corpo de minha avó foi parar,
minha necessidade de familiar de uma desaparecida política e de cidadã é
que o povo saiba o que aconteceu, por que continua acontecendo, quem
continua no poder, que sistema tem se repetido e o que significa a
impunidade.