Por Eduardo Maretti.
São Paulo – A ex-companheira do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto nos porões do DOI-Codi, Angela Maria Mendes de Almeida, disse na tarde de hoje, em audiência da Comissão da Verdade Rubens Paiva, na Assembleia Legislativa de São Paulo, ser “inaceitável” a maneira como foi feita a oitiva da Comissão Nacional da Verdade que colheu o depoimento do coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, em maio passado. “Naquela audiência, não foi convidado ninguém torturado pelo Brilhante Ustra. Só o vereador (de São Paulo) Gilberto Natalini (PV), que foi mas sem ser convidado.”
Na sessão de hoje em São Paulo, as comissões estadual e nacional da Verdade receberam os processos das famílias Merlino e Teles, que processaram o coronel Brilhante Ustra. O jornalista Luiz Eduardo Merlino foi morto em 19 de julho de 1971, quatro dias após ser preso, nas dependências do DOI-Codi.
Maria Amélia Almeida Teles, a Amelinha, também presente à oitiva de hoje no parlamento paulista, foi presa com o marido César e seus filhos, de 5 e 4 anos de idade. Eles foram levados para assistir aos pais sendo torturados. Amelinha disse no depoimento de hoje ser difícil aceitar que, na Comissão Nacional da Verdade, Ustra tenha sido tratado como “suspeito”. “Ele é condenado em primeira e segunda instâncias e é o único torturador no Brasil já condenado.”
Em agosto de 2012, Ustra foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em ação movida pela família Teles. Na ação por danos morais do caso Merlino, o torturador foi condenado a indenizar a família em R$ 100 mil. Na sentença, a juíza Cláudia de Lima Menge mencionou “a elevada brutalidade dos espancamentos a que foi submetido o companheiro e irmão das autoras (Angela e Regina, respectivamente), que o levaram a morte, ora sob comando, ora sob atuação direta” de Ustra.
Angela Mendes de Almeida disse no depoimento de hoje que “a Comissão Nacional da Verdade se comporta como se fosse uma comissão acadêmica feita para estudar a história brasileira e depois apresentar um relatório”. Ela criticou o funcionamento do colegiado, que, ao contrário do paulista, não tem audiências abertas à sociedade. “A Comissão Nacional foi criada pela presidenta Dilma para prestar contas à sociedade e à família dos mortos e desaparecidos”.
Presidente da comissão estadual, o deputado Adriano Diogo (PT) afirmou, sobre o depoimento de Ustra na Comissão Nacional da Verdade, que “todos nós nos sentimos humilhados e ultrajados quando o torturador Ustra ofendeu a presidente Dilma e o povo brasileiro”. Na ocasião, o torturador declarou: “Sempre admitimos que houve mortos (durante a ditadura). No meu comando ninguém foi morto dentro do DOI. Todos foram mortos em combate. Dentro do DOI, nenhum.” Sobre Dilma, ele afirmou: “Ela pertenceu a quatro organizações terroristas que tinham isso de implantar o comunismo no Brasil. Estávamos conscientes de que estávamos lutando para preservar a democracia e contra o comunismo”.
A ex-companheira de Merlino cobrou investigação para apurar a participação, nas torturas do jornalista e outras vítimas, do delegado Dirceu Gravina, ainda hoje na ativa, em Presidente Prudente, interior paulista. Ela defende que sejam objeto de investigação também o enfermeiro-torturador que examinou Merlino antes de ele morrer, e três agentes que foram buscar Merlino na casa da mãe, em Santos, em 1971, e que, “cinicamente”, foram à missa de 30° dia pela morte de Merlino.
A advogada Rosa Cardoso, coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, admitiu as críticas e disse que os depoimentos das vítimas não foram colhidos no colegiado “mais por inexperiência do que por má-fé”. Ela prometeu trabalhar por uma nova audiência com Brilhante Ustra, desta vez em conjunto com a comissão estadual de São Paulo. Rosa esclareceu que o novo depoimento, se for realizado, será em Brasília, onde mora Ustra, porque é um benefício a que o depoente tem direito.
A deputada federal Luiza Erundna, presente à audiência na Assembleia Legislativa, elogiou a coordenadora Rosa Cardoso. “Deve estar enfrentando dificuldades diante do que se espera da comissão nacional. Mas Rosa Cardoso se soma aos que querem justiça, e não conciliação com os torturadores.” A coordenadora da CNV estaria em meio a um racha com outros integrantes da comissão, capitaneados por Paulo Sérgio Pinheiro, que são contra a divulgação de relatórios parciais e a defesa de uma linha explícita favorável à condenação de agentes do regime.
A deputada defendeu a “reinterpretação” da Lei da Anistia. “Senão esses facínoras continuarão a ser anistiados.”