Capitão Ubirajara nega tortura na ditadura à Comissão da Verdade

Apontado como torturador durante a ditadura militar (1964-1985), o delegado aposentado da Polícia Civil de São Paulo, Aparecido Laertes Calandra, reconhecido como capitão Ubirajara, negou nesta quinta-feira (12) ter participado de sessões de tortura nas dependências do Doi-Codi  (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna).

Calandra foi ouvido ao lado pessoas que se dizem vítimas do delegado aposentado pela Comissão da Verdade (CNV) em São Paulo.

Capitão Ubirajara depõe à Comissão da Verdade (Foto: Tatiana Santiago)
(Capitão Ubirajara (à direita) depõe à Comissão
da Verdade – foto: Tatiana Santiago)

Calandra afirmou que cuidava apenas da burocracia do órgão e negou conhecer todas as vítimas que o apontaram como torturador. As vítimas presentes à audiência desta quinta se mostraram inconformadas com o depoimento do delegado aposentado.

“Eu era um burocrata”, afirmou o delegado. “Nunca ouvi [gritos] e nem queixas [no local]”, respondeu após ser questionado pelos representantes da comissão. Ele também disse nunca ter tido acesso aos presos políticos ou celas, já que cuidava apenas da assessoria jurídica.

A audiência pública foi realizada no auditório do Banco do Brasil, na Avenida Paulista, no Centro de São Paulo. Além de Calandra, depuseram os ex-presos políticos Maria Amélia Teles, Darci Miyaki, o vereador Gilberto Natalini, o jornalista Sérgio Gomes e o deputado estadual Adriano Diogo. Também foram exibidos em vídeo os testemunhos do jornalista Arthur Scavone e do deputado federal Nilmário Miranda, que não puderam comparecer.

Calandra trabalhou na equipe do interrogatório do Doi-Codi onde atuou entre 1972 e 1976. Segundo vítimas da repressão e testemunhas, Calandra é acusado de torturar e matar no órgão, considerado o maior centro de repressão política brasileira durante a Ditadura Militar.

Calandra, o capitão Ubirajara, é apontado por envolvimento na tortura e no desaparecimento de Hiroaki Torigoe e na tortura e morte de Carlos Nicolau Danielli.  O capitão não responde judicialmente porque a Lei da Anistia, que garante anistia aos que cometeram crimes políticos durante a ditadura.

O delegado aposentado chegou à audiência por volta das 10h40 desta quinta e provocou tumulto na sessão, que precisou ser interrompida por alguns minutos.

Apesar de informar que cuidava da documentação do órgão, o interrogado disse não se lembrar da natureza dos ofícios recebidos. “Nunca interroguei ninguém e jamais violei os direitos humanos”, afirmou.

Confrontado pelo advogado Pedro Dallari, da Comissão da Verdade, sobre um auto de prisão em que constava sua assinatura como autoridade responsável, ele voltou a dizer que não tinha contato com os presos políticos. “De maneira nenhuma, minha função era só de assessoria jurídica”, disse. Apesar de ter trabalhado por anos no Doi-Codi, ele afirmou que não teve contato com nenhum militar que trabalhava no local.

Quanto às acusações de que ele era conhecido como capitão Ubirajara, alegou ter sido confundido. “Eu acho que isso só pode ser um erro de pessoa, porque em nunca fui citado nessa ação. Eu nem sabia disso”[...] “Nunca fui capitão de lugar nenhum, sempre fui civil, nunca participei de tortura, não faz parte da minha rotina”, disse.

Calandra também negou conhecer o coronel reformado do exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi comandante do Doi-Codi. Segundo o delegado, ele apenas foi apresentado ao Ustra quando se apresentou ao quartel e depois não o viu mais.

Indignação
A vítima Darci Miyaki reencontrou pela primeira vez com o delegado décadas depois da tortura disse que ver o agressor foi terrível.

“Foi terrível, mas em algum momento nós tínhamos que enfrentar”, declarou. Para ela, o interrogado entrou em muitas contradições. “Se os vizinhos reclamavam dos nossos gritos, como ele que trabalhando lá dentro ignorava absolutamente, não ouvia nada?”, questiona.

Darci foi a terceira testemunha a ser ouvida nesta quinta na audiência da Comissão da Verdade e contou que após ser presa no Rio de Janeiro, foi transferida para São Paulo. “Eu fiquei sequestrada do dia 28 de janeiro ao dia 6 ou dez de agosto de 1972. Durante várias semanas eu fui torturada e fui torturada pelo capitão Ubirajara também”, contou.

Segundo a vítima, ela recebeu vários choques em seu órgão sexual. “Por mais que me doa. O ato sexual se tornou uma coisa muito difícil pra mim. Me tornei uma mulher estéril e sem companheiro”, relatou. “Aquele olhar frio dele me perseguiu por muitos anos.”

O vereador Gilberto Natalini (PV) classificou o delegado como um homem frio.“Como um ser humano que praticou tanta barbaridade, eu mesmo, fui torturado pessoalmente por ele, que era um homem muito violento, mais convictos daquelas barbaridades vem aqui com aqueles os cabelos brancos falar para a Comissão da Verdade na frente de todos nós que fomos barbaramente torturados por ele, dizer que não sabia. É muita frieza, muita falta de sensibilidade”, afirmou.

“Várias vezes ele entrou aonde eu estava sendo torturado, interrogado, várias vezes. Ele circulava lá como torturador”, declarou Natalini.

A postura de negação de Calandra não surpreendeu os membros da comissão, no entanto, os depoimentos das testemunhas são tão detalhados que não há dúvida para eles da participação do capitão Ubirajara em todos os crimes.

“Me impressionou a desfaçatez com que ele se portou. Um homem que durante oito anos trabalhou no Doi-Codi e que nunca ouviu um grito, nunca ouviu falar sobre tortura”, relata o advogado José Carlos Dias, da CNV.

Já o coordenador da Comissão da Verdade João Carlos Dias já esperava as negativas do Capitão Ubiratan. “O depoimento foi muito pouco crível, mas por outro lado, os elementos, as provas da Comissão são muito contundentes”.

 

Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/12/comissao-da-verdade-capitao-ubirajara-nega-tortura-na-ditadura.html