Comissão da Verdade pode reconhecer número maior de mortos da ditadura, diz professor da UnB

O relatório final dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) tem previsão de ser divulgado dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. O Blog do Planalto, a partir desta quinta-feira (6), divulgará semanalmente uma série sobre a ditadura, de suas consequências até a transição para um país democrático nos dias atuais. A primeira matéria é uma entrevista com José Otávio Nogueira Guimarães, professor do Programa de Pós-Graduação em História da Unb e um dos coordenadores da Comissão da Verdade da Universidade.

Na conversa, o professor contou sobre o processo de constituição da Comissão e falou também sobre a expectativa pelo resultado a ser apresentado em dezembro.

“Eu acho que a gente deve entender a criação da Comissão Nacional da Verdade como uma das etapas do que se convencionou chamar ‘processo de justiça de transição’ no Brasil. Um termo que tenta (…) refletir sobre regimes, comunidades, nações que passaram de um modelo autoritário para um modelo democrático. A CNV é um dos elementos desse processo de transição.”

De acordo com ele, no Brasil, essa transição foi longa. Ele aponta como um primeiro momento desse processo a Lei de Anistia, de 1979, que criou condições para o retorno à vida pública dos que foram exilados, ao mesmo tempo que foi uma autoanistia dos militares por crimes que tenham sido cometidos durante o regime militar.

Em 2001, outra lei criou a Comissão de Anistia e o Estatuto do Anistiado Político. Nogueira Guimarães aponta que esta foi uma lei de reparações que alargou a função da lei de 1995, incluindo também os que foram perseguidos políticos e os que foram demitidos dos seus empregos. “O Estado brasileiro criou uma política de reparação que no primeiro momento é econômica, mas essa ideia de reparação se alargou muito… fala também de uma reparação simbólica, de uma reparação moral, de uma reparação memorial”, disse.

O professor entende na sequência deste processo que é criada a Comissão Nacional da Verdade, pela lei 12.528, em novembro de 2011. O objetivo é examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional. “Então, o que se pode dizer é que o Brasil demorou muito tempo. E a gente sabe que o Brasil, esse regime, matou, torturou durante esses anos, sequestrou. Agentes do Estado! É isso que está aqui na Comissão da Verdade.”

Expectativas
De acordo com o professor José Otávio, o relatório final da CNV dará continuidade e visibilidade ao processo de investigação sobre a história recente do Brasil, o que já vinha sendo feito nas universidades.

Outra expectativa, de acordo como professor, é que o relatório apresente um número de mortos maior que os 362 reconhecidos pelo Estado Brasileiro. Ele considera que esse resultado será alcançado pelo fato de a Comissão estar agindo por iniciativa própria, sobretudo pelos grupos de trabalho que foram constituídos para tratar de casos que eram de difícil registro e reconhecimento por parte de familiares, que é o caso dos indígenas e camponeses mortos durante o regime militar.

“Agora, acho que o mais importante ainda, ela vai reunir um acervo histórico. (…) E a Lei de Acesso à Informação (promulgada no mesmo dia que a lei que constituiu a CNV) justamente permitiu que os documentos produzidos pelas forças de repressão e de segurança durante a ditatura, (…) se eles revelam violações de direitos humanos, eles se tornaram públicos. Então se abriu um grande volume de documentos que vão permitir um trabalho da comissão, novas interpretações, novos fatos relativos ao período militar”, considerou o professor. Como está previsto na legislação, todo o acervo gerado pelo trabalho da CNV será repassado na sua integralidade ao Arquivo Nacional.

José Otávio considera também que o relatório poderá funcionar como uma caixa de ressonância, representando um avanço também na compreensão da sustentação e financiamento do regime militar, sobretudo a colaboração civil e do empresariado brasileiro. “O regime militar no Brasil não foi só um regime militar, ele foi civil-militar. Porque parte da elite brasileira compactuou e deu sustentação ao golpe.”

Além disso, segundo ele, o trabalho da Comissão tem um papel pedagógico, “algo que propicie uma vivência ampla da sociedade brasileira com relação ao seu passado recente, para que ela possa avançar nos caminhos da democracia, do Estado de direito”.

Prejuízos causados pela ditadura
José Otávio Nogueira Guimarães falou ao Blog sobre as graves violações de direitos humanos durante o regime militar. Mas ele faz a ressalva que além dessas graves violações dos direitos humanos – como mortes, sequestros e torturas –, há uma parcela da sociedade brasileira que foi atingida pelo golpe, mas não dessa maneira brutal e violenta.

“Será que a violência de uma ditadura se mede só pelo seu número de mortos? É impressionante, a UnB perdeu 80% dos seus quadros em 1965. Os professores que Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro trouxeram pra cá com muito esforço – gente do calibre de Oscar Niemeyer, de Zanini, de Nelson Pereira dos Santos, cineastas, Afonso Arinos do Melo Franco Filho – então, grandes nomes, grandes intelectuais que saíram daqui em 65 depois que a Universidade teve uma intervenção. (…) Teve que ser construída depois.”

Neste contexto, ele destacou a grande massa de pessoas que perdeu o emprego, os vários exilados, as práticas da censura, e as famílias que foram dispersas e fragmentadas porque tiveram que fugir.

Outro marco citado na entrevista é a legislação de 1995, conhecida como Lei dos Desaparecidos. O professor explica que esse momento foi “a primeira vez que o Estado brasileiro [reconheceu] que houve mortos e desaparecidos políticos durante o regime militar e que [era] preciso registrar isso”.

 

Fonte: http://blog.planalto.gov.br/comissao-da-verdade-pode-reconhecer-numero-maior-de-mortos-da-ditadura-diz-professor-da-unb/