MANIFESTO DE TRÊS PASSOS-RS

A escolha de Três Passos não foi em vão: durante a ditadura civil – militar que assombrou o país, por 21 anos, neste pedaço do Rio Grande jovens e corajosos idealistas preparavam um campo de resistência à ditadura e para restabelecer a democracia no País. Neste período da história,o município tambémfoi palco de tristes episódios que assombraram e ainda hoje estão vivos na memória da população.
Ironicamente, o local onde atualmente as pessoas buscam aliviar suas dores – o Hospital de Caridade do município -, em maio de 1970 abrigava um quartel da Brigada Militar, utilizado como centro de repressão e tortura contra dezenas de presos políticos, a maioria ligados à Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, liderada pelo italiano Roberto de Fortini.
Sob a coordenação do atual Coronel Paulo Malhães, o mesmo monstro que organizou a “Casa da Morte”, em Petrópolis no RJ, agentes do DOI/CODI e do DOPS se deslocaram para Três Passos para aplicar suas técnicas de tortura, interrogatórios e guerra psicológica. Tanto os ex – presos políticos e seus familiares, como os moradores da Região, recordam a brutal sessão coletiva de tortura que ficou conhecida como “A noite de São Bartolomeu”, em alusão ao massacre de protestantes, ocorrido na França, em 1572.
Tanto ódio e sadismo justificava a descoberta de um dos grandes focos de organização da luta libertadora no Brasil: o comandante Carlos Lamarca se deslocaria para a Região, acompanhado de um significativo grupo de civis e militares patriotas, para organizar o que para eles seria o principal centro irradiador da resistência contra a Ditadura. Para o grupo, o Rio Uruguai – que ligava três países (Argentina, Uruguai e Paraguai) a três estados brasileiros (Rio Grande do sul, Santa Catarina e Paraná) – se configurava como área estratégica para a guerrilha.
Com base em algumas pistas, o torturador Malhães passou a aterrorizar toda a região em busca de maiores informações.Com a descoberta do plano, Fortini foi preso e torturado. Nadia, sua companheira, também foi confinada no quartel ainda recorda o inferno dos gritos, urros e terror absoluto,no qual submergiu na noite que foi presa.
Além de Fortini e Nadia estavam, entre dezenas de presos, o ex – vereador de aposição ao regime e militante da VPR, Reneu Geraldino Mertz, posteriormente eleito prefeito de três Passos. Hoje já falecido dá o nome à Praça Central da cidade. Também foram presos José Bueno Trindade, na época também vereador em Três Passos, e o estudante Antonio Alberti Maffi, eleito prefeito de Braga, em dois mandatos.
A região ainda é conhecida pelo famoso “Levante de Três Passos”, onde militares patriotas ergueram-se contra a Ditadura e foram massacrados pelo Regime. Isso prova, mais uma vez, que a Ditadura e suas torturas não eram consenso nem mesmo dentro das Forças Armadas, mas apenas a vitória temporária de um grupo que violou e sujou com sangue a Democracia no Brasil. Um grupo  que se sustentou pelo arbítrio, no controle das armas e das instituições e no suporte da burguesia brasileira e internacional.
Para nós, o período da repressão representa um processo que ainda traz consigo as marcas da dor, da humilhação, da impunidade e do esquecimento. Mas entendemos que não há memória usurpada ou silêncio que se mantenha para sempre. ”não há presente sem passado. Não há presente sem memória. Não há futuro sem presente. Assim, dessa simplicidade, é feita a história. É feita a vida, nos ensina o jornalista e escritor, Eric Nepomuceno.
Contra a história oficial da ditadura e para honrar os sonhos de justiça e liberdade pelos quais lutaram nossos heróis, nos propomos ao que segue:
- Lutar pela verdade ao denunciar os governos da repressão que usurparam do povo brasileiro o direito à memória;
- Lutar contra a impunidade aos crimes de lesa – humanidade cometidos pelos agentes da ditadura no Brasil;
- Exigir a punição dos torturadores, como o tenente-coronel Paulo Malhães, que comandou as cenas de perseguições e torturas nesta Região do RS;
- Lutar para que o judiciário brasileiro se imponha perante os responsáveis pelo Terrorismo de Estado e reconheça como justiça o julgamento e a condenação pelas torturas, perseguições e mortes dos cadáveres sepultados ou desaparecidos, a exemplo do que ocorre em países como o Uruguai e Argentina;
- Lutar pela reinterpretação ou revisão da Lei de Anistia, que há 33 anos, em 28 de agosto, de 1979, foi sancionada pelo ditador João Batista Figueiredo, e que se constitui como simples iniciativa de reconciliação nacional ao igualar torturados e torturadores. Atualmente o Supremo Tribunal Federal acolhe essa interpretação mantendo, assim, a já tradicional amnésia histórica.
- Por fim, nos propomos a auxiliar os trabalhos das Comissões Nacional e Estadual da Verdade, por meio do levantamento e identificação dos agentes e vítimas da ditadura, bem como dos locais que funcionaram como centro de prisões e torturas na Região.
Três Passos, 28 de agosto de 2012
COMITÊ POPULAR MEMÓRIA VERDADE E JUSTIÇA