Presa em casa e torturada na ditadura militar, a cirugiã dentista Laura Coutinho contou a sua história em uma audiência pública, realizada pela Comissão da Verdade da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), na tarde desta quinta-feira (9). A coleta do depoimento de Laura faz parte do trabalho da comissão, que recupera os documentos e memórias do período ditatorial brasileiro.
Durante o depoimento, Laura contou que estava em casa com seu primeiro marido, João Amorim Coutinho, quando foram presos. Na época, eles eram estudantes de odontologia e militavam dentro e fora de partidos políticos. Ela estava grávida e foi levada pelas forças armadas do Espírito Santo para o estado de São Paulo, onde, durante um processo de tortura, abortou. Para o coordenador da Comissão da Verdade da Ufes, professor Pedro Ernesto Fagundes, o caso de Laura é grave e chocante.
“É um caso que estamos querendo destacar por conta da gravidade da violação dos direitos humanos, chocante. A função da comissão é tornar público essas graves violações no sentido de se fazer uma política de memória para que, sobretudo, as novas gerações compreendam o que foi o período da ditadura militar”, explicou o coordenador.
O depoimento de Laura é o primeiro que a comissão ouviu por meio de uma audiência pública. Segundo Fagundes, outras nove pessoas já foram ouvidas. “O caso da Laura é emblemático. É uma estudante da universidade que foi presa, torturada e sofreu tortura psicológica aqui no 3° Batalhão de Caçadores. Mesmo depois que foi solta (ela ficou cerca de dois meses presa), quando tentou reingressar na universidade, ela foi impedida de voltar a estudar, porque havia sido reprovada por falta”, disse.
Comissão da Verdade
Criada a partir de março de 2013, a Comissão da Verdade da Ufes, de acordo com Fagundes, tem como principal função recuperar os documentos e memóras da ditadura militar que atingiu especialmente os estudantes, professores e funcionários da universidade. “Nós estamos ao longo desse período coletando depoimentos de pessoas da comunidade universitária que foram atingidas pela repressão política, e pesquisando e levantando todo
um acervo documental de órgãos de repressão que funcionaram aqui no Espírito Santo especialmente um órgão chamado Assessoria de Segurança e Informação (ASI), que funcionou aqui na Ufes entre 1971 e 1983″, falou.
A ASI levantava informações sobre matrícula de estudantes, livros que eram comparados, cerimônias de formatura, contratação de professores e expulsão de alunos. Todo o administrativo e acadêmico da Ufes era controlado pelo órgão ligado ao Sistema Nacional de Segurança e Informação.
Nessa quinta-feira (9), a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça entregou à comissão relatórios que traçam o perfil de anistiados ligados à instituição. Os locais e circusntâncias das perseguições e os nomes dos agentes que participaram das violações foram mapeados para esclarecer o período.
O professor Fagundes acredita que é preciso mostrar para os capixabas a verdadeira história do Espírito Santo a partir da década de 1970. Para ele, as pessoas costumam destacar apenas os grandes projetos industriais e o crescimento econômico.
“Você não pode falar da história do Espírito Santo recente sem contextualizar a repressão política que houve no estado, sem você afirmar que o 38° Batalhão de Infantaria foi um local de tortura, pessoas foram presas, torturadas e sofreram violência física e psicológica. Pessoas foram expulsas da universidade, perderam o emprego, sofreram uma série de perseguições devido a sua participação política, no Espírito Santo, assim como nos outros estados do Brasil na ditadura militar”, completou.
Data post: 10/10/2014