OAB promove debate inédito para subsidiar ações sobre a Lei de Anistia

Brasília – Um debate plural e inédito em torno do alcance da Lei da Anistia e do cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros versus Brasil, que condenou o Brasil pelos assassinatos e desaparecimentos ocorridos durante a Guerrilha do Araguaia, no auge do período da ditadura militar. Essa foi a tônica do debate realizado nesta quinta-feira (01) pela Comissão Especial da Memória, Verdade e Justiça do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), reunindo juristas e mais de cem especialistas no tema, entre advogados, representantes de 47 entidades ligadas à proteção dos Direitos Humanos e das Comissões da Verdade criadas nos Estados.

Os debates, ocorridos durante todo o dia no Salão Nobre da OAB, irão subsidiar a decisão do Pleno da entidade sobre qual estratégia tomar com o intuito de reverter a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 153, de que a Lei nº 6.683/79 (Lei de Anistia) anistiou os autores de mortes, torturas e desparecimentos forçados na ditadura, estando esses crimes conexos aos crimes políticos.

Tais discussões, segundo o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado, são fundamentais para que a sociedade brasileira não esqueça o passado obscuro da ditadura e nunca mais o repita. “Trata-se de uma pauta histórica da entidade. A partir dos debates de hoje iremos decidir quais serão os próximos passos a serem tomados pela OAB em defesa de devida punição para quem não respeitou os direitos humanos quando deveria fazê-lo”.

Ao conduzir o debate, o presidente da Comissão Especial da Memória, Verdade e Justiça, o conselheiro federal da OAB por Pernambuco, Henrique Mariano, destacou que o intuito foi reunir as entidades que têm como interesse comum traçar metas para a restauração da memória, verdade e para a implementação da justiça de transição em nosso país. “A consolidação dessa política de Estado é uma forma de se fazer justiça social a pessoas que deram a vida para que pudéssemos estar aqui hoje, reunidos e com livre expressão de nosso pensamento”, afirmou Henrique Mariano. “Precisamos lutar para recuperar nossa historia, nossa memória”, acrescentou.

Anistia e soberania

O primeiro palestrante foi o jurista Fabio Konder Comparato, medalha Rui Barbosa da OAB, que destacou que os desaparecimentos e mortes ocorridas no Araguaia foram cometidos por militares, mas sempre com o apoio da classe política e empresarial brasileira. Ao se manifestar sobre a sentença condenatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos – que afirmou que a decisão do STF na ADPF 153 é incompatível com as convenções internacionais e impôs 12 importantes determinações ao governo brasileiro, até então não cumpridas – Comparato afirmou que a não execução da sentença constitui evidente descumprimento das obrigações assumidas por nosso país quando de sua adesão à Convenção de Direitos Humanos. “No plano internacional temos uma cara e aqui dentro temos outra. É a famosa duplicidade dos nossos grupos dirigentes”.

Entre as determinações impostas na sentença da Corte Interamericana estão a de que a justiça ordinária – e não a militar – estabeleça as responsabilidades penais de cada agente envolvido nos crimes e as correspondentes sanções penais, além de tipificar a conduta de desaparecimento forçado de pessoas, até então inexistente no ordenamento jurídico.

“Até hoje o Estado brasileiro continua a ignorar essa sentença, não tendo cumprido integralmente os pontos decisórios nela fixados. O Estado brasileiro não pode invocar a tese da soberania para descumprir direitos estabelecidos nas Convenções internacionais de Direitos de Humanos e nem usá-la como justificativa para se recusar a cumprir a decisão condenatória”, acrescentou. (Clique aqui para ler a íntegra da manifestação do jurista Fabio Konder Comparato)

Inconstitucionalidade

O segundo palestrante, o procurador regional da República Marlon Alberto Weichert, também foi enfático ao afirmar que a decisão do STF na ADPF 153 é de “extrema fragilidade jurídica”. “A previsão de uma anistia a crimes e violações a direitos humanos é inconstitucional desde sua origem”. Weichert também defendeu o cumprimento integral da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ressaltando sua importância jurídica e política para o resgate histórico brasileiro. “O que esperávamos era a determinação do ministro da Justiça de que fossem abertos tantos inquéritos quanto fossem necessários para elucidar esses bárbaros crimes ocorridos no Araguaia. Isso não ocorreu”.